Boa parte do mundo adota o calendário gregoriano que determina o Ano Novo no 1º de Janeiro. No Brasil, o calendário não é diferente, mas na Bahia há outros “anos novos” que fazem parte dos calendários festivos do estado.
Festas populares, religiosas ou não, marcam os ritos de agem e de recomeço de muita gente. Pessoas que encontram nessas ocasiões motivos para celebrar o começo de novos ciclos. O 2 de Fevereiro é uma dessas celebrações que mobilizam sentimentos de fartura, agradecimento e pedidos de bons caminhos por todo o Brasil. Em Salvador, a festa reúne milhares de pessoas, no Rio Vermelho, para saudar a rainha do mar, Iemanjá. Nessa data, é possível encontrar quem cumpra com os seus rituais e oferendas e façam desses festejos o seu ano novo.
É assim para Raíça Bomfim, abiã de Candomblé há 15 anos e filha de Iemanjá. A relação de extrema devoção pela orixá, sob a orientação do seu pai de santo, produz muitas conexões dela com a festa. “É a única festa dedicada a uma orixá. Uma festa que marca muito o que é o nascimento do candomblé na Bahia. O que é essa concatenação de forças e saberes e ancestralidade africana que se recria aqui”, declara.
A festa para a Orixá reúne não só adeptos de religiões de matriz africana e se tornou um marco no calendário da Bahia / Alfredo Portugal
Raíça acredita que essa festa inaugurada pelos pescadores, já nasce sincrética. “Uma festa centenária e que ainda hoje se mantém. Uma louvação para que os peixes venham. É uma festa muito conectada com o cotidiano e com a sobrevivência. E esse é um tipo de festejo que faz muito sentido pra mim, porque vai expandindo o sentido para o sentido ecológico, social. Então, é uma festa muito importante”, declara a produtora, performer e professora que se move por muitos lugares no campo das artes.
Há seis anos, Raíça realiza a Oficina-ação LAVAGEM, uma proposta poético-ritualística iniciada quando realizava um trabalho sobre as águas. A iniciativa nasce da compreensão de que a oferenda é parte do ciclo que nos integra na dimensão da vida. “Ao longo do tempo, eu fui entendendo que era mesmo um chamado de Iemanjá. Um trabalho para ela”, afirma Raíça.
A ideia do trabalho é pensar na arte também como uma oferenda. “É colocar a arte, a serviço do sagrado. Pensar nisso como uma poética de mulheres juntas, oferecendo as suas cabeças de flor. É deitar no colo de uma mãe e, ao mesmo tempo, presenteá-la”, explica a artista que é também doutoranda em artes cênicas na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
2 de fevereiro em 2023
Milhares de pessoas am pelo Rio Vermelho no 2 de Fevereiro para levar oferendas a Yemanjá / Alfredo Portugal
Iemanjá é celebrada todo o ano em todo o país. Na Bahia, a festa oficial foi suspensa por conta da pandemia e neste ano de retomada, em 2023, celebra o seu centenário. Ao longo do tempo, a festa alcançou uma grande dimensão e, hoje, é fonte de inspiração para a literatura, a arte e a música.
Por iniciativa de uma comunidade tradicional, que ainda mantém no local a pesca artesanal como meio de subsistência, a festa é símbolo de resistência. A celebração tem as suas raízes em descendentes de africanos que elegeram o bairro para morar e trabalhar. O conhecimento de ancestrais vem sendo ado a outras gerações, tanto da atividade pesqueira como da organização e entrega dos presentes que todos os anos são ofertados à divindade que lhes protege das vicissitudes do mar e que favorece o seu sustento.
Essa festa sagrada e também profana que para algumas pessoas pode parecer difícil ou um confronto, Raíça vê sob outra perspectiva. “Às vezes, a força profana acaba prejudicando alguns ritos sagrados, isso é real. Por outro lado, eu sinto que é uma força dos corpos baianos. Esses corpos que são festivos. Essa festa mergulha no campo do sagrado, mas extravasa para todos os lados”, declara.
O que os Orixás orientam para 2023
Yá Darabi explica que explica que cada casa tem a sua direção e é comum que o Ifá aponte Orixás diferentes em cada uma delas / Arquivo pessoal
Nessa data de celebração do ano novo baiano, conversamos com a Ialorixá Alba Cristina Soares, Mãe Darabi, para saber quais são as orientações para este ciclo que se inicia. Ela nos explica que é comum, ao consultar Ifá sobre o ano, que venham orixás diferentes de outros terreiros, porque cada casa tem a sua direção. Com essa explicação, Alba reforça que o importante é ler o jogo com cuidado e seguir as diretrizes que forem determinadas.
Oyá Iara Bi do Ilê Axé Odé Omopondá Aladê Ijexá do Banco da Vitória, da cidade de Ilhéus, o terreiro tem como patrono o Orixá Oxóssi e completa 11 anos de existência. No tradicional jogo da virada, Alba confirma o que se apresenta em diversos outros candomblés.
“Nós tivemos a confirmação de que Exu e nossa mãe Oxum estão regendo vários terreiros. Exu é a energia primeira. É através dele que levamos e mandamos os nossos recados para os outros e outras Orixás”, explica ao reafirmar que Exu transmite os nossos recados e nos traz a resposta.
“Exu nos responde tanto à favor, como também orientando nas coisas que a gente pede e não deve querer a resposta do jeito que a gente quer. Ele traz sempre a resposta de vitória e proteção. Exu é energia universal”, afirma Yá Darabi.
A tradicional festa do Rio Vermelho foi iniciada pela comunidade negra de pescadores que viviam (e vivem) nos arreadores da praia / Alfredo Portugal
O ano traz também a força da Orixá Oxum que, segundo a Ialorixá, é a grandeza e a riqueza, mas não essa riqueza egoísta que está nas mãos de poucas pessoas. “amos tantas coisas nesses últimos tempos, e nossa mãe Oxum nos sinalizou antes de 2023 com a força das suas águas. Portanto, Exu e Oxum juntos, regentes deste ano, só no traz felicidade e alegria”, declara Alba cheia de otimismo para este ano.
No recado do jogo, Mãe Darabi rea o alerta da rainha das águas doces. Na mensagem de Oxum ela chama atenção de que o ódio ainda está forte, e é preciso ter cuidado. Haverá ainda muitas perdas e grandes afastamentos, não só na casa, nos terreiros, mas também de amizades. “Ela diz que as pessoas precisam ser mais verdadeiras, porque a mentira faz parte da perturbação. O ódio continua no coração das pessoas e tem muita gente agindo com falsidade”, afirma Alba Soares, Oyá Iara Bi do Ilê Axé Odé Omopondá Aladê Ijexá.
Alba reforça que durante esse ano, se o coração disser para não ir, não vá. Se disser para não entrar no próprio carro, vá de outra forma. Ouvir e seguir a intuição será, especialmente, valioso. “Se o coração disser para não entrar na água, não entre. Assim como em qualquer que seja o lugar. É preciso reforçar a nossa fé”, declara.
“Oxum e nós como pessoas que acreditamos na força dos Orixás, nos recados que eles mandam e que, muitas vezes, sopram nos nossos ouvidos, devemos seguir as orientações. Axé e vamos seguir 2023 com muito cuidado! Irê ô”, finaliza.