Olá, no reino do agronegócio e da Faria Lima, as previsões para o futuro do governo são gélidas.
.Jogou como nunca, perdeu como sempre. Em uma economia bloqueada por um arcabouço fiscal, a melhor maneira para não precisar cortar gastos é aumentar a arrecadação. Depois de anunciar um contingenciamento dos gastos públicos, o Ministério da Fazenda anunciou um aumento do IOF para empresas, previdências privadas acima de R$50 mil e investimentos no exterior. Em outras palavras, mandou a conta para o mercado financeiro. Mas a Faria Lima tem horror a aumento de impostos na mesma proporção que ama juros altos. Os bancos foram para cima do governo, escudados pela indústria, pelo agronegócio, enquanto, nos bastidores, Gabriel Galípolo fez questão de avisar ao mercado que não tinha nada a ver com isso. No Congresso, Hugo Motta e David Alcolumbre assumiram a defesa do mercado financeiro em tons pesados, mesmo sabendo que, sem o IOF, os cortes devem chegar às emendas parlamentares. Quando todos achavam que o governo recuaria, Fernando Haddad ainda conseguiu arrancar um prazo de 10 dias para apresentar uma contraproposta. Mesmo assim, dificilmente o mercado vai pagar algum imposto. Ou o governo encontra outra fonte para as receitas, como cobrar mais das bets ou reduzir isenções fiscais, ou vai ter que cortar nos investimentos sociais, como deseja a mídia e os banqueiros. O episódio também mostra as dificuldades que o governo tem em se defender. Vide o destrato que Marina Silva sofreu no Senado, numa pauta em que a ministra enfrentou sozinha o presidente da Casa e o ministro da Agricultura. E o pior é que a derrota no IOF pode ser o prenúncio de algo pior que vem por aí na discussão da isenção do Imposto de Renda e taxação dos super ricos. Assim, Haddad, que um dia já foi presidenciável, sai chamuscado justamente no momento em que, nos bastidores do Planalto, começa-se a discutir os afastamentos por motivos eleitorais.
.Sob fogo cruzado. Lula talvez sinta saudades de Arthur Lira agora que a liderança de Hugo Motta na Câmara mostra-se incapaz de garantir um consenso mínimo para colocar em pauta matérias de interesse do governo. E quanto mais se aproxima o calendário eleitoral, maiores são as tensões. Para retomar a ofensiva e a popularidade, uma redução do preço do combustível também ajudará bastante e o Planalto espera que a I do INSS caia no esquecimento, já que sua apreciação ficou para junho no Senado, contando que o calendário de pagamento aos lesados encerre o assunto. A nova aposta do presidente é enfrentar a regulação das redes sociais, tema em que haverá enfrentamento, mas onde o governo conta com um aliado de peso, o STF. A nova estratégia é desarmar o discurso da direita, tirando o foco das fake news e dando ênfase à proteção das crianças e adolescentes e ao combate aos crimes financeiro nas redes. O problema é que a direita tem suas próprias prioridades dentro do Congresso. A PEC que estabelece o fim da reeleição para presidente, tema que há décadas vai e vem de acordo com a conveniência, retornou à pauta. Mas como a proposta altera não só o funcionamento do Executivo, mas também do Legislativo, propondo a unificação dos pleitos nacionais e municipais, assim como a redução do tempo de mandato dos senadores, a discussão tende a se estender no Senado. A extrema direita também segue buscando alternativas à proposta de anistia, agora com uma subcomissão para fiscalizar supostos maus-tratos contra os presos do 8 de janeiro. E sempre que o assunto é desmontar as leis ambientais ou os direitos trabalhistas, o centrão aparece para dar apoio, como na revogação de pontos da CLT considerados obsoletos pelos deputados e na suspensão de demarcação de terras indígenas em Santa Catarina. A falta de uma agenda propositiva na Câmara não seria problema se os deputados estivessem confortáveis sem ter que dar explicações sobre o que fazem ou deixam de fazer. Não é esse o caso, já que Flávio Dino e a CGU continuam investigando a destinação das emendas, e o alvo dessa vez são ONGs suspeitas de servirem de fachada para o desvio de cerca de R$219 milhões.
.Mugido. Apesar de todo apelo midiático, o tiroteio entre as possíveis sanções dos Estados Unidos contra Alexandre de Moraes e a investigação de Eduardo Bolsonaro pela PGR são reveladores da dificuldade da sobrevivência política do bolsonarismo. Enquanto o governo discute economia e o centrão quer ar a boiada no Congresso e cortejar Tarcísio de Freitas, o bolsonarismo precisa de muito malabarismo e pirotecnia para obter manchetes que não sejam no banco dos réus no julgamento dos golpistas. Nos bastidores, os bolsonaristas já não esperavam que as sanções teriam algum efeito prático, muito menos que ela frearia Alexandre de Moraes. E, na prática, as medidas anunciadas por Trump mais sinalizam para a sua base radical do que ameaçam de fato Moraes. Apesar de inócua, todo barulho obteve alguma atenção da mídia e manteve mobilizada a base social do bolsonarismo em tempos em que a pauta da anistia é tão desanimadora quanto as tentativas de Jair de lançar um pré-candidato à presidência que leve seu sobrenome, no caso, agora, Michelle. Feliz com a repercussão na mídia do pedido para ser investigado pela PGR, Eduardo Bolsonaro parece não perceber que ser investigado por conspirar contra autoridades e instituições brasileiras não ajuda muito no julgamento do pai por golpismo e na tentativa de tentar negociar uma saída honrosa ou menos traumática numa condenação que parece inevitável. Mas, a extrema direita não pode ser reduzida ao seu núcleo bolsonarista. A vida segue mesmo com o capitão preso, como se vê pela proliferação de projetos de escolas cívico-militares, leitura da bíblia em colégios e perseguição a rappers e funkeiros em assembleias legislativas e câmaras municipais.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.‘O capital’ volta às livrarias e prova que o espectro de Marx ainda nos ronda; entenda. No Globo, Ruan de Sousa Gabriel comenta a obra magna de Marx relançada pela Boitempo.
.A nova Idade das Trevas começa em Israel. Chris Hedges vê no genocídio em Gaza mais um capítulo do retrocesso do ocidente rumo às suas origens. No Outras Palavras.
.Como comunidades redpill e anti-woke capturam jovens para redes de ódio. No Jornal da USP, Ergon Cugler explica porque as redes sociais precisam de regulação.
.Muitas galinhas, pouca variedade genética: granjas são ‘chocadeiras’ de doenças como a gripe aviária. O Brasil de Fato denuncia que as normas técnicas favorecem a proliferação de doenças.
.O mercado reborn. Na Carta Capital, Adalberto Viviani mostra que a febre do bebê reborn não é autêntica, nem, muito menos, nova.
.De que trata “O Agente Secreto”? Confira cinco curiosidades sobre o filme. Veja detalhes do filme brasileiro que levou dois prêmios no Festival de Cannes. Por Sarah Kelly, na Revista Gama.
Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.