Embora faça parte das nações que devem colocar em prática o Plano de Aceleração da Organização Mundial da Saúde (OMS) para deter a obesidade, o Brasil ainda tem um caminho longo pela frente, inclusive no que diz respeito a crianças e adolescentes.
Entre as metas do plano, está a interrupção do aumento da obesidade em toda a população ainda este ano. O objetivo está longe de ser cumprido para todos os públicos. No caso das pessoas de 0 a 19 anos, a tendência observada é de alta e a merenda escolar tem tudo a ver com isso.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, a nutricionista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Larissa Loures afirma que o ambiente escolar é essencial para o desenvolvimento de hábitos alimentares adequados tanto na promoção de educação nutricional quanto no que é oferecido para consumo.
Ela usa o termo “pântanos alimentares” para defender que o cuidado também seja colocado em prática no entorno das unidades de ensino. “Não estamos falando do comércio ambulante apenas, mas sim de todo o comércio que fica ao redor das escolas, seja fixo ou informal. Temos verificado que as escolas estão localizadas em pântanos alimentares. Locais onde a oferta de alimentos ultraprocessados é muito maior do que a oferta de alimentos in natura e minimamente processados.”
Dados do estudo Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras (Caeb), realizado entre 2022 e 2024 pela ACT Promoção da Saúde, corroboram a preocupação. A pesquisa apontou alta frequência e alimentos ultraprocessados em todas as capitais brasileiras. Os refrigerantes estão presentes em mais de 61% dos casos e os salgadinhos em quase 50%.
Além disso, o levantamento mostra que a média de ultraprocessados comercializados é 50% superior em relação aos alimentos in natura e minimamente processados. Dentro das escolas, a variedade desses produtos é 65,79% mais alta. Esse cenário, segundo Larissa Loures, molda o consumo alimentar até a vida adulta.
“Não basta ter aula, não basta estar nos livros didáticos, esse ambiente precisa ser modificado. A consequência disso no longo prazo é ter uma qualidade de vida e uma alimentação adequada e saudável na sua essência. Quando investimos em uma geração, estamos investindo em recursos futuros, para não termos que seguir debatendo que as crianças estão cada dia mais obesas, tendo diabetes de maneira precoce, ficando hipertensas e enfrentando problemas de saúde mental. Um cenário que chega a ser desleal com elas.”
O 3º Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes, divulgado em fevereiro, revela que o percentual de excesso de peso na população de 0 a 19 anos aumentou de 29,6% em 2015 para 30,8% em 2023.
Houve registro de diminuição de 35,2% para 31,7% na faixa de 0 a 4 anos, mas as crianças de 5 a 9 anos apresentaram acréscimo de 28,7% para 29,3%. O dado é ainda mais alarmante na população de 10 a 19, que deu um salto de 24,9% para 31,2% no mesmo período.
As metas da OMS também incluem a redução de 15% da prevalência global de inatividade física. Hoje, o Brasil tem mais da metade da população sedentária. Outro objetivo importante é atingir 3% ou menos de prevalência de sobrepeso em crianças menores de cinco anos.
Larissa Loures pontua que o Brasil tem medidas importantes para conter o problema, mas pondera que elas ainda não alcançam o poder de influência da indústria. Em fevereiro, o governo federal reduziu de 20% para 15% o percentual máximo de alimentos ultraprocessados na merenda escolar, com previsão de chegar a apenas 10% em 2026.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que regulamenta o consumo de alimentos nas escolas públicas desde 2009, tem foco na agricultura familiar e nos alimentos minimamente processados e in natura. Estados e municípios também contam com leis e decretos que proíbem a oferta e comercialização de alimentos ultraprocessados em cantinas.
“Precisamos trabalhar com políticas públicas que vão moldar e modificar esses ambientes para conseguirmos dar segurança aos indivíduos e estimular decisões conscientes. A população está sendo bombardeada por uma indústria e essa concorrência é desleal. Quando pensamos na capacidade que ela tem de fazer publicidade, de convencer, de ter um consumidor em potencial, vemos que nossas políticas públicas precisam começar a trabalhar esses aspectos que são relacionados aos ambientes alimentares”, conclui a professora.